domingo, 8 de março de 2009

Testemunho de uma mãe

Quando a minha filha me pediu um depoimento para utilizar no relatório do seu estagio, curiosamente, sobre a acessibilidade de pessoas com deficiência, foi um pouco difícil “descer à realidade” de todos os dias e pô-la no papel. Sou uma mulher comum, porém diferente por ter a pouca sorte de ter tido um filho deficiente. Ao princípio não foi nada fácil. Tornou-se muito complicado e doloroso aceitar a ideia de que o meu filho, tão desejado, apresentava uma paralisia cerebral.

Nós, cidadãos comuns, parece que vivemos habitualmente à parte desse mundo, sempre com a ideia de que isso só acontece aos outros. Também por essa razão me custava compreender este drama por que estava a passar. Não quero com isto, dizer que agora, 18 anos depois, já seja fácil lidar com este sofrimento, já que isso é falso! O que acontece é que quando nos encontramos nestas situações problemáticas na vida, somos obrigados a "inventar" forças, a procurar coragem e resistência. Penso que já me convenci de que a vida é assim mesmo. Por isso, resta-me pedir a Deus que me dê saúde e força para continuar a tratar do meu filho, que tanto precisa de mim! O que seria dele sem a família? Nem sequer quero imaginar…

Devo dizer que os apoios ao princípio foram nulos. Apesar de ter mantido sempre o cartão de vacinas actualizado, de ter frequentado centros de saúde e hospitais, só foi encaminhado para o Ensino Especial quando chegou à idade escolar. A partir daí, o Ensino Especial disponibilizou uma professora para o apoiar em casa, mas até isso acabou a partir do momento em que “deixou de ter idade” para ser assistido por uma professora primária. Também, de vez em quando, vou com o meu filho ao Centro de Paralisia Cerebral em Coimbra, é lá que tem as suas consultas de clínica geral, fisioterapia, ortopedia, etc. Há uns anos tentei que fosse inserido num centro perto de casa, mas estava “sem vagas”. A única solução era que fosse para o infantário mas, infelizmente, sei que não iria ter a assistência necessária, pela falta de pessoal especializado. Tentei ainda que fosse autorizado a utilizar a piscina municipal, já que ele adora o contacto com a água, mas foi-me recusada, ele não tem controlo sobre as suas necessidades fisiológicas e isso levantaria vários problemas no controlo da qualidade da agua, disseram-me. Abdiquei então de uma carreira profissional e optei por ser eu a tratar dele, em casa. É certo que não sou terapeuta da fala, nem fisioterapeuta, nem tenho qualquer outro curso que me ajude a desenvolver as suas capacidades… Para isso necessitaria de muitas coisas que sozinha, e em casa, não lhe posso oferecer, mas tem muito amor.

Sinto, ainda, que os deficientes em Portugal continuam desprotegidos e abandonados. Assim, a evolução ou desenvolvimento das suas capacidades tem sido praticamente nula ou muito limitada.

No entanto, o facto de amar o meu filho e sentir que ele não conseguiria sobreviver, se algo lhe acontecesse, dá-me mais força. Temos que continuar a lutar, por nós e por eles. Desta forma, devemos esforçar-nos para lhes tornarmos os dias mais felizes, levando-os a passear, aos restaurantes, aos museus, a acontecimentos sociais, enfim, a todos os lados.

Segundo os médicos, devemos procurar boa disposição e ânimo, já que eles, no seu mundo próprio, sofrem com o sofrimento dos pais, apercebendo-se sempre dos problemas e preocupação da família mais próxima.
Além de tudo isto, fui obrigada a ultrapassar o sofrimento de quatro hospitalizações para efectuar cirurgias; não se descreve a impotência por que passamos nestas alturas em que os vemos sofrer e não conseguimos fazer nada.

Sinceramente, não sei exprimir, no papel, por palavras, aquilo que tem sido a minha vida, com um filho com paralisia cerebral. Vê-lo chorar, sem saber o que lhe dói, é cruel. Reforço, por último, a ideia de que precisamos de continuar a lutar, não só contra as nossas recaídas, mas também contra todas as instituições que vivem alheadas destes problemas.



Mãe do Quitó

3 comentários:

  1. Confesso que, depois de ler o depoimento, me faltam as palavras...

    Até para quem está mais perto, e conhece o Quitó desde sempre, é difícil ter noção destas necessidades porque ele é um "menino" feliz, graças ao suporte familiar que tem! Teve a sorte de nascer numa família estruturada e capaz de o amar incondicionalmente!

    Lidar com a deficiência não é fácil. Lidar com a diferença não é fácil... porque tudo o que é desconhecido "toca" nos nossos medos mais inconscientes.

    A tese de mestrado "Acessibilidades em museus" vem abrir um novo caminho de reflexão sobre a dificuldade que algumas pessoas têm em aceder a coisas tão simples que, no nosso dia a dia, não temos consciência! E apenas e só por serem diferentes da dita maioria!

    Contudo, acho que estamos a caminhar no bom caminho em relação à diferença e que, ainda lentamente, a nossa sociedade se aproxima, do direito pleno à igualdade.

    Parabéns pelo blog.

    Tânia Martins

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  2. É de louvar o seu depoimento, ou melhor a sua VIDA!
    Todos nós corremos o risco de, a qualquer momento, tornarmo-nos pessoas com mobilidade condicinada.
    Eu lido com esta temática no desempenho da minha profissão, uma vez que utilizo a legislação que regulamenta as normas técnicas de acessibilidade para pessoas com mobilidade condicionada. O que me entristece é a aplicabilidade, por vezes limitada, desta legislação... Todavia, é bastante gratificante assistir, embora lentamente, a algumas mudanças na sociedade sem esquecer que ainda há muito por fazer!

    Parabéns e Felicidades!

    Ana Mendes

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  3. O amor é um milagre! só isso pode explicar a força que "se inventa" quando a vida nos chama e obriga a ser corajosa porque temos forçosamente assim tem que ser.
    Mãe do Quitó, uma mãe extraordináriamente e forçosamente maior que todas as mães de crianças sem problemas, tenho a certeza que consegue encontrar momentos únicos no meio do sofrimento.
    QUERO DEIXAR AQUI A MINHA SOLIDARIEDADE e lamentar vergonha que é a sociedade em que vivemos que olha sem ver e ás vezes nem olha para fazer de conta que esta realidade não existe. Podia ser mais fácil se a sensibilidade fosse o sentido mais apurado de todos nós.
    Parabéns Sónia, é impressionante como as dificuldades criam pessoas maiores
    Beijinhos
    Teresa

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