Quando confrontada com a ideia de escrever sobre a simplicidade da língua portuguesa escrita, ou melhor, sobre o que tornará um texto escrito mais simples, mais facilmente compreensível e acessível a um maior número de pessoas, várias foram as questões que se me colocaram.
Desde logo:
O que torna, afinal, um texto artificioso e de difícil compreensão?
Quando e como surgem ruídos à comunicação, na escrita?
Todos nós, em diferentes fases da vida e em diferentes contextos, já tivemos a experiência de pôr de lado um livro, porque é complexo, não o entendemos, porque nos maça…Enfim, um sem número de razões…E quantas vezes, nós, docentes de língua materna, ouvimos um aluno dizer: “Não entendi este texto, é difícil…”?
Onde residirá, então, a dificuldade?
Podemos colocar-nos a questão ao contrário, que será certamente de resposta mais fácil:
O que é um texto simples?
Será um texto composto por frases simples na sua maioria. Será um texto com uma linguagem acessível e sem ambiguidades semânticas.
Aqui estão delineados três campos que irão actuar, cada um a seu modo, no sentido de dificultar, ou facilitar, a leitura e compreensão de um texto.
Ao nível da Sintaxe, todos sabemos, empiricamente, que quanto maior for um período, constituído por inúmeras orações e expressões entre vírgulas, onde não existe o esquema SUJ – PRED - CD, mais difícil é a análise sintáctica e consequentemente a compreensão do texto. Quem não se lembra da complexa e fastidiosa divisão e classificação de orações n’ Os Lusíadas?
Ao nível do léxico, todos sabemos, empiricamente, que uma linguagem científica, carregada de termos técnicos, pouco correntes para o cidadão comum (aqui reside uma das nossas dificuldades: definir o que é o cidadão comum…), pouco ou nada habituado com essas áreas do saber, é, por si só, um obstáculo à comunicação.
Tenha-se como exemplos a área da Filosofia, o ramo das Ciências , de pareceres Técnicos, de tudo o que , em última análise, é investigação em áreas específicas do saber. Ou se está por dentro, ou não…
Ao nível da Semântica, todos sabemos, que a ambiguidade de uma frase ou de um discurso, compromete definitivamente a comunicação… que todo o afastamento ou desvio da norma (que é comum à maioria dos falantes) é de per si não só um acto de transgressão como também, poderá ser a incipiência de um acto de criação. E aqui já entramos no domínio ambíguo, polissémico, subjectivo, conotativo do texto literário.
É claro que é fundamental definir-se a intenção do acto elocutório. Se é meramente informativo deve ser transparente e não opaco, objectivo e não subjectivo, denotativo e não conotativo, essencial e não acessório. Para informar deve referir e não sugerir.
Um bom conhecimento do público-alvo médio é fundamental. Um saber profundo do que se quer transmitir é prioritário. De posse destas duas regras básicas, como transformar a obra de arte (quando de uma obra de arte se trata…) que é tão infinitamente polissémica na sua complexidade, num material traduzível em frases apreensíveis por todos? Não estaremos a enveredar por um pressuposto previamente errado de classificação tipológica redutora?
Há riscos plurais. Porém, compete ao linguista pegar num texto escrito por um técnico (o artista, o criador, o crítico???) e reduzi-lo (reduzir acarreta perigos!) a informação comum. Isto, em nome da sacrossanta globalização e/ou democratização da arte. Mas, será que a arte se presta? Ou que a plurivocidade da mensagem se univociza? E a única voz, será “a voz”?
Há, contudo, que estabelecer previamente alguns parâmetros:
Quem é o nosso receptor?
Quem gostaríamos que fosse o nosso público?
Queremos chegar a um, cada vez maior, número de pessoas, ou não? (Até, por que, o objectivo pode não ser esse.)
Que tipo de informação pretendemos veicular? É de interesse geral? Interessa apenas a uma minoria?
Corre-se o risco, não raras vezes, de se ser elitista, sem se pretender ser elitista.
Se o objectivo é chegar, no sentido de ser compreendido, a um, cada vez maior, número de pessoas, então deve haver a preocupação de adequar o nosso texto, de sair do mundo da intelectualidade, apenas acessível a uma elite…
MAS ATENÇÃO: Não se pode, nem deve, confundir simplicidade com simplismo… Até as crianças compreendem essa diferença!
Corro até o risco de dizer que quanto mais “douto”, sábio (não só no sentido livresco, mas também no sentido lato, da vida…) é o emissor, melhor sabe comunicar, melhor, no sentido da simplicidade e acessibilidade.
Também para se ser simples é preciso ter arte!
Há que estar bem ciente do papel que pretendemos desempenhar com a nossa escrita, com o nosso texto. O “Autor”, em sentido lato, deverá ter consciência de que tem um papel pedagógico crucial. Pode ser o responsável máximo pela atitude que o potencial leitor venha a ter no futuro, perante a leitura, não só no seu sentido literal, mas também no sentido lato, que englobará, em última análise, ler a arte em geral…
Certamente que tem que haver disponibilidade mental da parte do receptor/leitor para o acto, para a aprendizagem que vai realizar.
Saindo do contexto das escolas, onde muitas vezes essa disponibilidade não existe, verificando-se apenas a obrigatoriedade de cumprir um dever, genericamente, se eu pego num livro para ler é porque, à partida, tenho uma pré disposição para a leitura desse livro; da mesma forma, se vou a um museu, é porque tenho natural curiosidade de saber mais sobre as obras de arte que por lá se encontram…
O cuidado deve ser este: Não se pode castrar esta pré disposição do saber, do conhecimento, das aprendizagens, quando o nosso intuito, repito, é alcançar uma “maioria”…
Na verdade o que realmente interessará, neste contexto, é comunicar, ensinar, transmitir conhecimentos, saber, cultura... Será, claramente, mais profícuo para o leitor/espectador, compreender a obra, do que admirá-la de forma distante, muda, hostil…
“O facto de existirem museus repletos de obras de arte valiosas e visitantes para olhar para elas, não deve chegar. É preciso que haja comunicação entre visitante e obra de arte”, tal como diz Vitalina Leal de Matos (in Ler e Escrever). A legenda, ou o texto escrito, deve substituir o guia, “explicador”, deve tirar dúvidas, esclarecer, informar, e não contrário…
Prof. Amélia Santos
terça-feira, 17 de março de 2009
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